
Em um cenário automotivo elétrico cada vez mais saturado por veículos de luxo e promessas tecnológicas que distanciam o consumidor médio, uma pergunta paira no ar: ainda existe espaço para inovação que seja genuinamente acessível? O cemitério de startups de VEs que faliram nos últimos anos, de Fisker a Lordstown, parece gritar um sonoro "não". O mercado parece ter se tornado um jogo perigoso, reservado apenas para gigantes consolidados ou para aqueles com bolsos infinitamente fundos. É nesse ambiente hostil que a Slate Auto emerge, não com um estrondo, mas com uma proposta calculada e surpreendentemente analógica, desafiando a narrativa dominante.
A startup, que saiu do modo furtivo no início deste ano, revelou uma picape elétrica personalizável e, o mais chocante, acessível. Com US$ 700 milhões em financiamento até o momento, a Slate não é uma operação pequena. No entanto, muito antes de sua estreia pública, a empresa garantiu silenciosamente uma rodada Série A de mais de US$ 100 milhões em 2023. Conforme relatado originalmente pelo TechCrunch, essa rodada incluiu o peso-pesado da indústria, Jeff Bezos, mas ele estava longe de estar sozinho. Documentos regulatórios revelaram a participação de até 16 investidores. Um desses nomes, a Slauson & Co., uma firma de capital de risco de Los Angeles, decidiu falar publicamente sobre sua aposta, oferecendo uma visão fascinante sobre o que é preciso para investir contra a maré.
Slauson & Co.: Mais que Capital, uma Missão
Para entender a aposta na Slate Auto, é preciso primeiro entender a Slauson & Co. Fundada em 2020 por Ajay Relan e Austin Clements, amigos desde o ensino médio, a firma carrega o nome da Slauson Avenue, no sul de Los Angeles. Como Relan observou ironicamente em entrevista ao TechCrunch, a área não é exatamente um polo conhecido por inovação em tecnologia e capital de risco. No entanto, é uma fonte inegável de capital cultural. A missão da Slauson & Co. é precisamente construir uma ponte entre esses mundos, financiando fundadores e ideias que historicamente foram deixados de fora da economia da inovação.
Investir em uma startup de veículos elétricos, um setor notoriamente intensivo em capital e de margens baixas, parece, à primeira vista, um desvio da tese principal da firma. No entanto, para Relan e Clements, a Slate Auto representava uma rara convergência de oportunidade de mercado e alinhamento de missão. A conexão inicial veio através de Jeff Wilke, ex-CEO da divisão de consumo da Amazon e cofundador da Re:Build Manufacturing, a incubadora da qual a Slate se originou. Conhecendo Wilke de antes da fundação da Slauson & Co., Relan foi apresentado ao projeto secreto em 2023 e ficou imediatamente intrigado.
A Tese de Investimento: Por Que Apostar Contra o Mercado?
Apesar dos ventos contrários óbvios – desde as falências de VEs até a incerteza política em torno da energia verde – a Slauson & Co. viu na Slate uma oportunidade irrecusável. A convicção não se baseava em otimismo cego, mas em três pilares fundamentais que desmistificam o que parecia ser um risco enorme.
Uma Equipe com DNA Automotivo
O primeiro e talvez mais crucial fator foi a equipe. No início de 2023, a Slate era composta por algumas dezenas de pessoas, mas essas pessoas carregavam décadas de experiência na indústria automotiva. A CEO, Chris Barman, passou mais de 20 anos na Chrysler, onde liderou programas de linha de veículos e até colaborou com a Waymo na integração do Android Automotive. O presidente Rodney Copes e o CFO Ryan Green trouxeram consigo experiências valiosas da Harley-Davidson e da Rivian.
Essa profundidade de conhecimento prático foi um diferencial decisivo. A equipe da Slate não era formada por sonhadores da tecnologia tentando construir um carro; eram veteranos da indústria automotiva construindo um veículo para o futuro. Barman, em particular, impressionou os sócios da Slauson & Co. com sua visão pragmática e foco na entrega, não na propaganda.
Preenchendo a Lacuna da Acessibilidade
O segundo pilar foi a ressonância da missão da Slate com uma necessidade de mercado gritante. "A ideia de que não existem carros acessíveis, especialmente para os jovens, mas na verdade para todos, e a incompatibilidade entre a acessibilidade dos veículos e o que está disponível simplesmente não fazia sentido", afirmou Clements. A Slate não estava tentando construir o próximo supercarro elétrico ou um "computador sobre rodas" de luxo. Sua missão era clara: fornecer "veículos mais acessíveis, confiáveis e personalizáveis, fabricados internamente".
Essa abordagem "anti-Tesla" – focada na simplicidade, durabilidade e no empoderamento do consumidor através da personalização – alinhou-se perfeitamente com a filosofia da Slauson & Co. de apoiar soluções que atendam a uma base de consumidores mais ampla e diversificada. Era uma aposta na ideia de que a verdadeira revolução elétrica não acontecerá nos showrooms de luxo, mas nas garagens de famílias comuns.
Validação Precoce e o Poder dos Aliados
O terceiro pilar foi a validação, tanto do mercado quanto de outros investidores. A intuição de Slauson & Co. sobre o apelo da Slate foi rapidamente confirmada: a startup ultrapassou a marca de 100.000 reservas reembolsáveis em apenas duas semanas após seu lançamento. Esse é um sinal de mercado que poucos investidores de estágio inicial podem ignorar.
Além disso, a qualidade dos co-investidores serviu como uma camada extra de segurança. Estar ao lado de Jeff Bezos, do proprietário do Los Angeles Dodgers, Mark Walter, e da gigante de VC General Catalyst, não apenas validou a oportunidade, mas também garantiu que a Slate tivesse o poder de fogo financeiro para enfrentar a longa jornada até a produção. Como disse Relan, os parceiros que a Slate atraiu foram "a cereja do bolo".
Análise: Um Risco Calculado em um Setor Volátil
A decisão da Slauson & Co. é um estudo de caso fascinante sobre investimento de convicção. Em um momento em que muitos VCs estão se afastando de hardware e de setores de capital intensivo, eles mergulharam de cabeça. A aposta deles é que a experiência profunda da equipe da Slate pode mitigar os riscos de execução que derrubaram tantas outras startups. Eles não estão investindo em uma tecnologia não comprovada, mas em uma equipe que sabe como construir e entregar veículos em escala.
A estratégia da Slate de focar no nível de entrada do mercado é tanto um desafio quanto uma oportunidade. As margens são tradicionalmente mais apertadas, mas o volume potencial é imenso. Ao evitar a corrida armamentista tecnológica e focar em um produto robusto e personalizável, a Slate pode se diferenciar em um mercado barulhento e conquistar um público fiel que se sente alienado pelas ofertas atuais.
No final, o investimento da Slauson & Co. na Slate Auto é mais do que uma aposta financeira; é uma aposta em uma visão de mundo. É a crença de que a inovação pode e deve vir de lugares inesperados e servir a todos, não apenas a uma elite. É a convicção de que, mesmo no negócio automotivo notoriamente difícil, uma equipe excepcional com a missão certa pode gerar retornos extraordinários. Como Clements concluiu, "Temos que ter uma convicção profunda de que isso é algo que pode gerar retornos muito reais no fundo. Não somos apenas uma organização puramente filantrópica." Com o lançamento da picape previsto para o final de 2026 e uma rodada Série C já em andamento, o mercado observará atentamente para ver se essa ousada aposta visionária se tornará a nova referência para o sucesso no mundo dos veículos elétricos.
(Fonte original: TechCrunch)