
O que leva um dos fundadores de uma rede social em ascensão, a Dispo, a abandonar o universo dos algoritmos de engajamento para mergulhar no calor das fornalhas de aço? A resposta é uma combinação de geopolítica, uma obsessão por cadeias de suprimentos e uma aposta audaciosa de que a Inteligência Artificial pode revolucionar uma das indústrias mais antigas e fundamentais do mundo. Daniel Liss, o nome por trás da rede social Dispo e do app de namoro TeaserAI, está convencido de que o próximo grande salto tecnológico não está nos aplicativos, mas na produção de aço. A jornada de Liss do Vale do Silício para a indústria pesada começou de forma inusitada. Após escrever alguns artigos para o TechCrunch sobre a regulação antitruste em mídias sociais, ele chamou a atenção de figuras em Washington, D.C. O convite para atuar como juiz em um exercício de simulação de guerra no National War College em 2023 foi o catalisador. O cenário? Um conflito entre EUA e China por Taiwan. A conclusão de Liss foi alarmante e mudou sua carreira: a base industrial americana, o “arsenal da democracia”, estava em risco. “Não temos a capacidade de construir navios. E mesmo que tivéssemos, não temos o aço para fazê-lo”, afirmou ele. Essa percepção transformou interesse em obsessão, dando origem à Nemo Industries.
Nemo Industries: A Siderúrgica Nascida na Era da IA
A proposta da Nemo Industries, startup de Liss que até agora operava discretamente, é aplicar IA para modernizar a produção de ferro-gusa, um produto intermediário essencial para a fabricação de aço. Liss descreve a indústria atual como tragicamente desatualizada, operando com “planilhas de Excel, na melhor das hipóteses, e pranchetas, na pior”. Embora reconheça a enorme experiência dos operadores, ele aponta que esse conhecimento não é escalável. É aqui que a IA entra como um divisor de águas. Em vez de apenas vender um software para plantas existentes, a Nemo planeja construir suas próprias usinas. A lógica é ousada: Liss acredita que empresas que nascem com a IA em seu DNA terão uma vantagem de margem de 20% a 30% sobre os concorrentes tradicionais. A Nemo utilizará gás natural, uma fonte de energia menos poluente que o carvão, e considera a captura de carbono, aproveitando os incentivos fiscais da Lei de Redução da Inflação dos EUA para tornar a operação lucrativa e mais sustentável.
Mais do que Software: A Aposta em Infraestrutura Pesada
Essa ambição tem um preço astronômico, muito distante dos custos de desenvolvimento de um aplicativo. A Hyundai, por exemplo, anunciou um investimento de US$ 6 bilhões em uma usina de aço na Louisiana. Embora o foco da Nemo no ferro-gusa possa reduzir os custos, a escala ainda é monumental. Para enfrentar esse desafio, Liss se associou a Michael DuBose, um investidor com vasta experiência na construção de infraestrutura de gás natural liquefeito. O mercado financeiro parece acreditar na visão. A Nemo já levantou US$ 28,2 milhões e, segundo fontes do TechCrunch, está negociando uma rodada Série A de US$ 100 milhões. Mais impressionante ainda são as ofertas de mais de US$ 1 bilhão em incentivos de dois estados do sul dos EUA, condicionadas à construção de três usinas em 15 anos.
Análise: O Retorno dos Barões do Aço na Era Digital?
A jogada de Liss é um sintoma de uma tendência maior: a fuga de cérebros do Vale do Silício para o que é conhecido como "hard tech" — setores que resolvem problemas físicos e industriais complexos. É o reconhecimento de que, enquanto o software "comeu o mundo", a infraestrutura física que sustenta nossa civilização ficou para trás. Liss compara o potencial de retorno a investidores históricos como os Rockefellers e Carnegies, que construíram fortunas em indústrias de base. Ele argumenta que, embora os valores sejam enormes, os resultados também podem ser. Em um contexto de crescente tensão global e uma corrida para garantir a resiliência das cadeias de suprimentos, a modernização da produção de aço não é apenas uma oportunidade de negócio; é uma necessidade estratégica. A aposta da Nemo Industries é, portanto, multifacetada. É uma aposta na IA como força transformadora, na viabilidade de modernizar a indústria pesada e na tese de que o futuro da inovação também reside na reinvenção do fundamental. Se Daniel Liss estiver certo, o futuro não será construído apenas com código, mas forjado em aço otimizado por algoritmos.
(Fonte original: TechCrunch)